2009-06-15

Calvino no barbeiro



JOÃO CALVINO NO BARBEIRO:

Calvino, depois de dizer que queria com risca ao meio, dirige-se ao barbeiro:

- Sim, medo. É o medo, meu amigo, que impede isto de andar. É o obstáculo e o caminho por onde o Homem se perde, quando não se encontra. Seguro por uma ponta, liberto na outra. Como se isso fosse liberdade!...

- ...Pois ... é verdade...

- Não é! Liberdade é Ser, expressão viva da vontade. Tudo o resto, o mais, ... é ilusão!

- Ora, baixe só um bocadinho o seu queixo. Isso.

- O Homem encontra no seu semelhante uma janela ampla da dimensão humana, toda essa categoria num dos seus objectos. E não digo abstractamente. Falo de carne, carne viva, e que é pensamento vivo, emoção! Tudo condensado no mesmo instante, em imensos instantes.

- Não se mexa agora, é só um instante. Já está.

- No Outro temos uma iniludível presença, como algo de religioso, uma manisfestação do divino, do divino no profano. Faz-me sentir pequeno, sabe?

- Pois...

- E não só. Sinto-me, paradoxalmente, mais responsável. Por empatia, por laços que me unem, mas que, por si só, não são algo, entende?

- As patilhas, quer que corte mais, ou estão bem assim?

- Estão bem, ...e digo-lhe mais, somos matéria bruta, mais quinquilharia. Guiamo-nos, tacteando, através das circunstâncias, esperando que tudo corra bem. É claro que, neste escuro, digo,... no claro-escuro do viver, eu lhe estendo a mão, a si, ao Outro, e senão à procura de luz, à procura da mesma condição. Uma mão que agarra, outra que tacteia e os pés que não sabem para onde vão...a dor e o medo como referência, ... miserável condição!...

- Com sua licença...terminei.

- Obrigado, a barba, mais o corte, quanto são?

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